Descrição
O apocalipse de João é uma obra instigante. Sua linguagem cheia de violência, com monstros aterrorizantes, pessoas clamando por justiça, anúncios de mortes e desespero, em um quadro de espetáculos celestes, fascina os que gostam de ficção e alimenta a esperança dos que esperam um dia entrar na nova Jerusalém, onde não haverá mar nem morte, quando as lágrimas serão enxugadas. contudo, o livro do apocalipse será lido como uma narração da realidade. Nesse sentido, o texto do visionário João não é visto como reflexo de qualquer opressão, mas construção discursiva a respeito do sistema que, para o visionário, é a negação da ordem. Nesta obra, aplicando os conceitos de texto e memória cultural, à luz das pesquisas vinculadas à semiótica da cultura e teorias da memória, observar-se-á como as memórias de seres celestes caídos e aprisionados da tradição enoquita estão presentes na literatura judaico-cristã e servem para a construção das imagens no apocalipse. por meio de estratégias narrativas, o narrador do apocalipse deseja que sua visão seja levada a sério e que seus interlocutores aceitem a sua interpretação da realidade, deixando a associação com a vida e sistema romanos, pois se assim procederem serão comparados aos selados e receberão as mesmas recompensas. Dessa maneira, sua descrição com linguagem escatológica joga com o futuro e com o presente; prevê o caos, mas o vive em nível narrativo. Por isso, o livro do apocalipse, com um dualismo extremamente radical, não dá espaços para dúvidas. Portanto, esta obra lida com o apocalipse como instrumento retórico de terror e medo que leva seus leitores implícitos a não flertarem com Roma, a não aceitarem seus discursos ou os que com ela se associam. Kenner Terra