Descrição
O Judaísmo do Período do Segundo Templo é hoje reconhecido por seu caráter multifacetado. De fato, embora os judeus se identificassem como um povo singular, guiado pela Lei de seu único Deus, a quem adoravam em seu templo exclusivo na cidade escolhida de Jerusalém, nem sempre concordavam com a maneira com que tudo isso deveria ser posto em prática. A aliança firmada com Abraão apontava para a eleição de seus descendentes e o seu futuro estabelecimento na terra de Canaã. Contudo, foi por intermédio da aliança mosaica que se confirmaram as antigas promessas ao patriarca, tornando Israel em uma nação com identidade e território próprios. Segundo o pacto da aliança estabelecido entre o povo libertado do Egito e seu Deus, era preciso construir essa identidade com base nas leis e nos preceitos ali transmitidos. Nele, os israelitas eram instruídos em como ser esse povo de Deus em todos os âmbitos da vida: em sua relação com o sagrado, com a família, com o próximo, com a terra etc. A observância da Torá, de acordo com os termos ali redigidos, configurava-se no único meio de manterem-se sob a bênção divina: permanência em paz na terra, fertilidade e prosperidade. O desvio dela descaracterizava a identidade do povo e o afastava da esfera da proteção divina: estariam então entregues à maldição, ao exílio e à morte. O trauma do cativeiro babilônico e a consciência do fracasso em instaurar o projeto estipulado na aliança conduziram os judeus do pós-exílio à percepção de que interpretar corretamente a vontade de Deus registrada na Torá era uma necessidade imperiosa para a sua própria sobrevivência como povo. Contudo, diferentes grupos afirmariam que sua própria interpretação da Lei era aquela que deveria ser adotada, marcando assim a diversidade e o antagonismo das correntes religiosas do período. Leandro Formicki, na presente obra, proporciona-nos, pelo contato abrangente da vasta literatura intertestamentária, a constatação desse Judaísmo que buscava reencontrar mais uma vez sua identidade, reconstituindo e fortalecendo o laço que uma vez fora celebrado nas alianças com Abraão e, por intermédio de Moisés, com todo o povo.
Clarisse Ferreira da Silva é pós-doutora pelo departamento de História da USP e pesquisadora do Centro de Estudos Judaicos da mesma universidade. É autora de “O Comentário (Pesher) Habacuc: a Comunidade de Qumran reinterpreta o passado”, “O Novo Templo e a Aliança Sacerdotal da Comunidade de Qumran: um estudo sobre o Rolo do Templo (11QTa)” e “O Caminho para o Deserto: origem e formação da Comunidade de Qumran segundo análise histórica do Documento de Damasco e do Rolo das Regras”, publicados pela Editora Humanitas.